segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

A empresa individual de responsabilidade limitada - EIRELI (Lei 12.441/11)

Entra em vigor hoje, a Lei nº 12441, de 2011, que positivou no Brasil a possibilidade do exercício de atividade econômica, por pessoa natural, em caráter individual, e com responsabilidade limitada. Trata-se da empresa individual de responsabilidade limitada.

Esta postagem tem, portanto, o objetivo de esclarecer o que vem a ser este novo instituto jurídico. É imperioso notar que a grande dificuldade que há no direito empresarial é sua linguagem técnica e que, portanto, é completamente descolada da linguagem comum. A missão, portanto, é esclarecer, informar a todos sobre este instituto jurídico, vindo a desfazer algumas compreensões equivocadas sobre esta figura.

A primeira crítica que eu quero fazer se refere à opção feita pelo legislador brasileiro. Com efeito, a minha dissertação de mestrado trata de maneira específica sobre a temática, fazendo-se uma análise constitucional e econômica da positivação do presente instituto perante a ordem jurídica brasileira. Lá afirmei:

"Não se pode deixar de ressaltar que empresa é a atividade econômica organizada pelo empresário, sendo exercida a partir de um estabelecimento e dirigida ao mercado. Verifica-se, facilmente, que quem tem aptidão para adquirir direitos e contrair obrigações continuaria sendo o empresário individual ou a sociedade empresária. São eles sujeitos de direito, noção que parece ser incompatível com a de empresa. Mais do que sujeito de direito, é fato jurídico complexo (...)
[...]
Dessa forma, resulta impossível, logicamente, pensar-se na personificação da empresa para fins de limitação de responsabilidade. Com efeito, como já se disse, empresa é a atividade desenvolvida pelo empresário no estabelecimento; é, por assim dizer, uma sequência de atos pensada e organizada pelo empresário. Não há, portanto, possibilidade de a empresa adquirir direitos e contrair obrigações em face de ninguém, sendo certo afirmar que é da empresa, ou em decorrência dela, que surgem direitos e obrigações."

Ou seja, dos quatro modelos possíveis, o estado adotou o pior deles, à medida em que constrói mais uma ficção jurídica.

A segunda crítica a que deve ser feita é a de uma leitura enviesada que vem sendo feita por alguns membros da comunidade jurídica. Com efeito, tem-se dito que agora o Direito Brasileiro admite a sociedade limitada com apenas um só sócio. Isto é ERRADO. Basta verificar a nova disposição do art. 44 do Código Civil. Fosse a EIRELI uma sociedade limitada unipessoal, não se precisaria inserir o inciso VI ao mencionado dispostivo legal. No panorama das pessoas jurídicas tradicionais, a EIRELI está muito mais próximo à fundação, do que da sociedade. Com efeito, trata-se da possibilidade de constituição de uma pessoa jurídica, a partir da personificação de determinada parcela patrimonial, para o exercício de uma determinada atividade. O que evidentemente distingue a EIRELI da fundação é o caráter de tal atividade. Para a EIRELI, atividade econômica; para a fundação, atividade não-econômica.

Seja como for, a partir da entrada em vigor da Lei nº 12.441/11, ter-se-á duas possibilidades de pessoas jurídicas a serem utilizadas para o exercício de atividades econômicas, a depender do número de empreendedores envolvidos no negócio. Acaso sujeito deseje atuar sozinho, e com risco limitado, ele pode lançar mão da empresa individual de responsabilidade limitada; ou, agindo em conjunto, por intermédio das sociedades limitada e anônima.

A empresa individual de responsabilidade limitada, nos termos do art. 980-A, do Código Civil, deve ser constituída com capital social, já devidamente integralizado, no valor mínimo de 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País. É bastante prudente a preocupação do legislador em estabelecer um capital mínimo para tal implementação, haja vista que o capital social é a última, senão, a única das garantias que os credores têm; daí a possibilidade de, nos termos do art. 592, II, do CPC, em interpretação conjunta com o art. 1.024, do Código Civil, os bens particulares do sócio virem a ser penhorados por dívidas da sociedade, a fim de cumprir as obrigações sociais – sejam estas tanto o pagamento de quaisquer dívidas, quanto a integralização do capital social ou o preço de emissão da ação. O problema desta linha de entendimento é o de que não há a mesma restrição para as sociedades. Vale dizer, não existe norma a estabelecer o valor mínimo de capital social para a sociedade limitada, por exemplo. E neste particular, vislumbra-se vícios de constitucionalidade referente a tal dispositivo, em vista de que viola frontalmente, o princípio da igualdade.

O parágrafo primeiro do art. 980-A regulamenta o nome empresarial. Percebe-se que assim como ocorre com a sociedade em conta de participação e com a sociedade limitada, o empresário individual de responsabilidade limitada pode operar também mediante firma ou denominação social. Em se utilizando de firma, o nome deverá ser composto pelo nome, completo ou abreviado, do empreendedor, aditando, querendo, designação mais precisa de sua pessoa ou da atividade. Para a indicação do perfil jurídico utilizado, impõe o legislador, como indicativo, a utilização da expressão “EIRELI” ao final do nome empresarial em questão. Poderia o legislador ter se utilizado de expressão já consagrada no Direito Brasileiro, qual seja expressão “limitada”, por extenso ou a sua abreviatura, como ocorrem nas sociedades limitada e cooperativa.

Registre-se, de passagem, algo curioso. Trata-se a empresa individual de responsabilidade limitada de instituto jurídico diverso das sociedades. Tanto que, como já mencionado, tal como regulamentado no art. 44, do Código Civil, facilmente se percebe que são pessoas jurídicas distintas. Não obstante a distinção, o legislador fala aqui em “capital social” e em “denominação social”, nomenclaturas específicas para as sociedades. Para as demais pessoas jurídicas, fala-se em “fundo social”, como se vê no art. 46, ou somente em “denominação”, nos termos do parágrafo único do art. 1.155 do Código Civil. Afora isto, estranhamente, no parágrafo segundo do art. 980-A, do Código Civil prescreve que somente será possível a constituição de uma única empresa individual de responsabilidade limitada.

Tal restrição não se sustenta juridicamente. Vale ressaltar, por oportuno, que nos termos do art. 968, do Código Civil, o requerimento de inscrição do empresário deve mencionar o objeto da empresa, ou seja, a sua atividade. É de se notar, ademais, que como não há vinculação a que se opere apenas uma única atividade, poder-se-ia constituir uma empresa individual com várias atividades ou mesmo, mediante aditivos, restar ampliado o objeto da empresa. Mais coerente com a técnica de separação patrimonial, seria a utilização da concepção objetiva de patrimônio, criando-se um patrimônio afetado para cada atividade.

O parágrafo terceiro do art. 980-A que deve ser interpretado de maneira conjunta com a nova redação do parágrafo único do art. 1.033 prevê a possibilidade da constituição derivada da empresa individual de responsabilidade limitada. De modo semelhante ao que ocorre com a subsidiária integral, que pode ser constituída a partir da incorporação de ações ao patrimônio de outra sociedade, a empresa individual pode vir a ser constituída a partir da concentração das quotas nas mãos de um único sócio. A lei já admite, como visto, a unipessoalidade temporária em 180 dias, para a sociedade limitada. Este é o prazo que o legislador defere ao único sócio para tomar alguma atitude, sob pena de dissolução de pleno direito da sociedade em questão. São as seguintes alternativas: (i) no prazo mencionado, o único sócio requerer a transformação do seu registro para empresário individual, o que manterá a regularidade da atividade, podendo, porém, vir a ser alterada responsabilidade patrimonial por débitos do que era, até então, a sociedade; e (ii) – a inovação – fazer-se a transformação de sociedade para a empresa individual de responsabilidade que, acaso requerida no prazo legal, manter-se-ão a regularidade da atividade e a responsabilidade patrimonial por débitos da sociedade, caso esta se tratasse de uma sociedade limitada.


O parágrafo quarto do art. 980-A foi vetado. O texto legal prescrevia:

§ 4º Somente o patrimônio social da empresa responderá pelas dívidas da empresa individual de responsabilidade limitada, não se confundindo em qualquer situação com o patrimônio da pessoa natural que a constitui, conforme descrito em sua declaração anual de bens entregue ao órgão competente.

A Mensagem nº 259, de 11 de julho de 2011, apresenta as razões do veto ao mencionado dispositivo, posicionamento tomado a partir de manifestação do Ministério do Trabalho e Emprego. As razões do veto foram as seguintes:

RAZÕES DO VETO
“Não obstante o mérito da proposta, o dispositivo traz a expressão ‘em qualquer situação’, que pode gerar divergências quanto à aplicação das hipóteses gerais de desconsideração da personalidade jurídica, previstas no art. 50 do Código Civil. Assim, e por força do § 6º do projeto de lei, aplicar-se-á à EIRELI as regras da sociedade limitada, inclusive quanto à separação do patrimônio.”

Percebe-se que, de fato, assiste razão à Presidência da República quanto ao veto realizado. Com efeito, há de se aplicar a desconsideração da personalidade jurídica a toda e qualquer pessoa jurídica. Além disso, o parágrafo sexto manda aplicar de maneira supletiva à empresa individual de responsabilidade limitada as normas pertinentes à sociedade limitada. As normas referentes a tal tipo societário definem que a responsabilidade dos sócios por débitos da sociedade tem um limite: a integralização do capital social. Deste modo, realizada a integralização, em regra, os sócios quotistas passam a não mais responder por obrigações sociais.

Por final, vale a pena notar que a EIRELI não altera o esquema de responsabilidade do empresário individual. Com efeito, o empresário individual, mesmo aquele que atua a partir de uma EIRELI, continua com responsabilidade ilimitada. O que, de fato, acontece é que o empresário individual "cria" uma pessoa jurídica, exercendo atividade a partir desta. Em vista de uma das consequências da personificação - talvez a principal delas - é a autonomia patrimonial e a existência distinta, tem-se que não se pode confundir o patrimônio da EIRELI com o patrimônio do Empresário individual, seu titular. Assim, pelos resultados da EIRELI - "em vias normais de temperatura e pressão" - hão de responder, apenas, os seus bens, não se podendo, regra geral, recorrer-se ao patrimônio que se encontra em nome do empresário individual para o pagamento de débitos relacionados à EIRELI. E vice-versa: não se pode, regra geral ir atrás do patrimônio da EIRELI para se pagar débitos pessoais do empresário individual. A "responsabilidade limitada", portanto, está aí; na separação patrimonial havida entre empresário individual e Eireli.

É importante ressaltar: a)o empresário individual tem responsabilidade ilimitada - apesar da possibilidade, ainda que utilizada, no caso concreto, da Eireli; b) a eireli tem responsabilidade ilimitada - apesar do nome do novo instituto; c) a responsabilidade limitada para o empresário individual surge da separação patrimonial (empresário individual x eireli) que surgiu com o advento da nova possibilidade de pessoa jurídica admitida no Brasil.

De tudo, em resumo, para eventuais provas de Concursos Públicos, bem como de Exames de Ordem, deve-se apreender as seguintes considerações:

1. A EIRELI não é uma sociedade limitada unipessoal;
2. São pessoas jurídicas distintas, a Empresa individual de responsabilidade limitada e a Sociedade;
3. Há um valor mínimo de capital social que necessita estar integralizado: 100 salários mínimos;
4. A EIRELI pode adotar tanto firma quanto denominação;
5. O empresário individual continua com responsabilidade ilimitada.

Espero ter contribuído. Quaisquer dúvidas não hesitem em me contactar.

A responsabilidade é minha; o comando é meu; e para mim, Giovani Magalhães, o seu Professor de Direito Empresarial, o 01 do B.O.P.E, missão dada é missão cumprida.

"Homem de preto, o que é que você faz? Eu fecho provas que assustam o satanás! Homem de preto, qual é sua missão? Pegar qualquer prova e tirar dez, meu capitão!"

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